O ano é 1939, tenho oito anos e não entendo muito bem. Mamãe me disse que de agora em diante precisaremos ficar escondidos, que não poderei fazer barulho e nem brincar na rua. Ela falou sobre um tal de Hitler, ou Füher, não sei direito. Só entendi que ele é um homem mau. Mamãe me disse que ele está perseguindo todos nós, judeus.
Estou triste porque mamãe e papai me tiraram de casa e me obrigaram a deixar todos os meus brinquedos. Minhas lindas bonecas ficaram todas lá. Agora estamos morando em um porão da fábrica de um amigo, um amigo que não é judeu. Pelo que entendi, se o homem mal ou os homens que trabalham pra ele descobrirem que estamos aqui, vão matar a gente. Mas porque eles fazem isso? O que nós fizemos de errado? Eu tenho medo, acho que morrer dói. Quando vovô morreu doeu muito, eu ficava chorando. Não quero morrer.
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Aqui está muito chato, não tenho o que fazer durante o dia, a comida que me dão é muito ruim e mamãe ficou doente. Pelo que ouvi, ela não poderá ir ao médico porque o homem mau pode encontrá-la. Nós não podemos acender a luz, nem abrir a torneira, nada. Papai me disse que se fizermos isso “eles” vão nos descobrir.
Mamãe e papai têm um rádio à pilha e todas as noites ligam baixinho para saber como está o mundo lá fora. Eles não me deixam ouvir, mas ontem à noite eu estava escondida atrás da porta e ouvi quando disseram “estão bombardeando as cidades” e algo sobre “muita destruição”. Acho que as coisas estão muito ruins.
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O tempo está passando muito devagar, mas mamãe me disse que hoje é meu aniversário, o amigo dela trouxe pra mim roupas limpas e uma boneca. Não me importei muito com as roupas, mas adorei a boneca. Estou feliz porque mamãe não estava doente. Ainda bem. Meus pais disseram que ela passou mal porque tem um bebê na barriga dela. Eu vou ter um irmãozinho, mas papai e mamãe não ficaram felizes como eu.
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Estou com medo, está muito escuro, só tenho um lampião fraquinho acesso e lá fora está muito barulhento. Mamãe me disse para não ter medo, mas parece que estão destruindo tudo. Eu ouvi papai falando igual o homem do rádio. Algo sobre bombas...Quero sair daqui, não aguento mais viver presa. Meu irmãozinho também deve estar louco para sair da barriga da mamãe. A barriga dela está enorme. Estou ansiosa para conhecê-lo.
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Ontem foi horrível, vários homens invadiram nosso porão e tiraram a gente de lá com muita violência. Estou com muito medo, eles levaram papai para algum lugar e me trancaram com a mamãe e muitas outras mulheres e crianças. Estão todas muito tristes e sujas. Eles também deixaram todas nós carecas. Este lugar aqui é pior que o nosso porão.
Colocaram a gente em uma fila e nos fizeram andar até uma sala. Estamos todas amontoadas aqui. O lugar é todo fechado. As crianças todas choram de medo, eu também começo a chorar. Olho para mamãe na esperança de que ela me acalme, neste momento um barulho estranho começa e a sala fica cheia de um gás. Tudo vai ficando longe e a última coisa que consigo perceber são as lágrimas nos olhos da minha mãe. Depois tudo escureceu...