sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Julietas

Esta é a tragédia da vida real. Digo isso e me deito de costas na cama. O ângulo está meio torto. Meus cabelos, outrora longos a ponto de encostar no chão, agora ficam pendurados como raízes altas de uma planta qualquer. A gata vem com suas patinhas minúsculas e tenta agarrar alguns fios. Mordê-los. Gatinhos adoram me fazer cafuné. Minha mãe está deitada na cama ao lado. Quando se tem dezenove anos e ainda é dependente dos pais, a vida torana-se uma prisão. O que dirá-se dos quinze, dezesseis. Aonde estais tu, meu amor? Me faço a pegunta cuja a resposta já sei. Pena não ter o poder mudá-la. 

Sinto minha inquietação aumentar a cada segundo. Leio um livro e outro, querendo jogá-los longe. Penso em mil coisas, tento encontrar algo que me ocupe, mas minha mente sempre volta ao ponto inicial: ela. Procuro na voz de Cazuza algum consolo; admiro o flautista bêbado; sorrio com o olhar doce do meu gato. Volto para o meu quarto e jogo cadernos antigos no chão. Inquieta, sufocando. Só me resta sentar na cama e sentir um frio-quase-quente enquanto penso em coisas que eu não sei.

Fito pela janela as cores refletidas no muro. Os tons de uma tarde quente que precede os últimos dias do ano. Lembro da cor dos teus olhos. Um cartaz de um filme no cinema dizia: Azul é a cor mais quente. Isso não se aplica a mim. Quente é a cor dos teus olhos quando você brinca me fazendo ter ciúmes. É o frio da tua pele; do teu nervosismo que tornam-se brasas combustível de desejos. Fria é a tua ausência. O abraço gélido da saudade que você deixou aqui. 

Através dos óculos vejo as nuvens distantes. Caminho pela casa abraçando meus próprios braços, querendo estar sozinha porque não posso estar ao lado dela. Vejo a mesma rua de tantos anos, vejo nossos passos marcados no chão. Vejo o que mais ninguém verá. Fim de ano e não quero a falsidade de ninguém. Ando por aí com o velho orgulho de antes, calada, alheia. Querendo apenas uma pessoa aqui, tecendo planos mirabolantes, tentando adivinhar um futuro distante. Me deixo desabar. Lembro da presença dela e tenho vontade de ficar por lá, sentada, olhando a outra cadeira vazia. Sinto que nunca estive tão intensa nos últimos anos.

Pendurado no meu pulso, um pedacinho dela. Um pulseira feita por suas próprias mãos. Nos lábios, a falta dos lábios dela. A gata puxa meus cabelos com força me tirando dos meus devaneios. Levanto da cama e vou até a cozinha; coloco um pouco de leite num prato e ponho no chão. A gatinha corre para beber. Boa menina, penso. Ando pela cozinha, abro a geladeira a procura de algo que não quero comer. Examino os armários. Vou até o quintal e vejo o vento soprar balançando as roupas penduradas no varal. Nada disso me importa. Trivialidades do dia a dia. Abro a torneira e molho meu rosto; depois o pescoço e tenho vontade de tomar um banho. Meu corpo arde e tenho certeza que não é culpa do calor. 

No celular, duas fotos dela. O desenho que fiz dela; o perfume dela que insisto em sentir e confundir com o meu. Insisto em escrever, linhas tortas, rimas inexistentes, desejos insistentes. A saudade deixando a respiração pesada, um arrepio correndo pelo corpo. Fecho os olhos e não sei mais no que pensar. Apago a luz. Respiro fundo e fico observando minhas mãos iluminadas só pela tela do notebook. Escuto o silêncio, como se isso fosse possível. O sono não vem, a inquietação não cessa. Tiro a roupa e troco-a por outra, simplesmente não sei o que fazer. Escrevo algumas linhas, coisas desconexas. Olho as estrelas e lembro dos beijos. Dos momentos que ficamos juntas; significou tanto, mas foram tão poucas as horas. As horas passam e eu não sei o que fazer, pensar ou sentir. Arrumo minha bagunça e vou dormir. Tentar dormir, pra falar a verdade.

Bebo um copo de suco enquanto espero o notebook iniciar. Agora é noite e depois do banho tomado decido tentar escrever. O computador finalmente liga, o quarto está iluminado apenas pela sua luz. Sigo os passos que me levam a um novo documento do word. "Esta é a tragédia da vida real", escrevo enquanto minha mente se perde passeando pelas vertentes do amor.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Elos

Um simples sorriso ou horas inteiras a navegar.
Mil beijos ou tua mão unida a minha mão.
Histórias do passado.
Momentos no presente.
O futuro?
Deus e o tempo.

Sensibilidades, palavras e emoções.
Identidades.
Coincidências. 

Tuas palavras que me encantam. 
Tua alma.
Vidas, liberdade. 

Palavras que não rimam.
Elas e elos.
Talvez elos inexistam.
Ou existam:
Amor. 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Vinte e quatro

Tudo se sustenta em uma corda bamba. Eu danço no meio dela como se não fosse cair. Com toda a minha inexperiência, com toda a sabedoria de uma vida que eu ainda não vivi. São dezenove natais. Ou não. É tudo relatividade. Os dias tem o peso da eternidade. Os sorrisos tem o amarelado de um papel velho. Massacrado pelo tempo, amassado, rabiscado. Carregando nas marcas uma história. As sensações adormecidas pelo que passou. A voz abafada. A garganta fechada pelas palavras que não falou. O coração fechado, traumatizado por quem pensou que amou. 
E então ela entra e dança comigo. Suave loucura. Ensina que nem tudo é equilíbrio. Ela. Livre-quase-presa. Presa-quase-solta. Janelas abertas, telhado invisível. Entre estrelas, mostra que existe uma ordem no caos. Que abrir as portas não é sempre mau. "Hoje eu falei pra mim, Jurei até que essa não seria pra você. E agora é".  

E eu aceito escolher. Eu escolho aceitar.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O amor de uma forma que eu não ousaria imaginar. Dois corpos. Duas almas. Uma distância que tortura. Tão perto. Tão longe. Encontros entre (im)possibilidades. Meu caos que ama teu caos. 
O que dizer de ti, menina dos meus sonhos. O que dizer para ti, menina da minha realidade. As horas que nos unem são de quase completa felicidade. As pessoas. Os homens bêbados que vivem suas vidas medíocres. Vidas que a gente observa como um mistério fascinante. Os olhos da cidade que me impedem de ser completamente feliz. De te ter mais perto de mim. 
Ah, menina... As palavras me fogem. Meu corpo e minh'alma só querem estar perto de ti. Hoje seria uma manhã se sábado comum, mas parte de mim ficou aí com você e eu só consigo pensar que preciso te ver. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Seis

Sou poeta embriagado
minha mente flutua
passeia perdida
na mais bela curva tua

Eis que surge ao me ver
na tua expressão um sorriso
para meus olhos o paraíso
para minha mente delírio

teu sorriso tem as curvas
que me dizem sem palavras
que tu tens um amor puro
pelo qual me embriaguei

neste torpor te entreguei
os mais belos sentimentos
que minh'alma em meu tormento
nunca imaginou sentir

E na hora de partir
o coração quer mais tempo
resistente vou embora
com a promessa de até mais.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Treze

O choro preso no coração palpitante.
A pele macia que está na memória.
O toque suave e o carinho.
O rubor do teu rosto e o nervosismo.
Tudo que eu sinto estar tão distante.

Saudade.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Leveza

O futuro. O impossível. As tentativas que tendem ao fracasso. Os oprimidos, doloridos, sentimentos reprimidos. Ninfa(s) sozinha(s), lutando contra o comum. O medo insano das ideias postas. (Ou será o medo posto das ideias insanas?) A incerteza e a leveza lutando pelo impulso de vencer o invencível. 
Ver-te ou falar-te é exigir da minha natureza algo além de existir.
Será que ela pode obter?


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ebulição

Temperatura amena.
Tempo nublado, poucos raios de sol.
Pele translúcida. Sorriso sincero.
Bochechas vermelhas. Rosto macio.
Pequeno desassossego. Tensão da situação.
Lábios colados. Corpos unidos.
Intensa fusão de desejos
Em ebulição.

domingo, 13 de outubro de 2013

ANA


Ana é som e silêncio.
Ana é dor de quem assiste e quem sente.
E dor de mente sã e doente.
A flor de quem delira sorrindo da loucura.
E desejo de quem ama além da superfície.
Dos corpos que se entregam com intensidade. 
De bocas que se tocam como animais famintos.
Instintos selvagens de quem sonha entre as sombras.
De alma vulnerável que se entrega ao delírio do verbo amar.
Amar na loucura, na fartura da solidão. 
Tu, Ana.
Eu, Ana.


Inspirado no curta metragem: ANA

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Rest in peace

Foi no ponto de encontro das vizinhas
Que se foi o sorriso da velhinha.
Ontem, ela olhava a lua.
Hoje, pessoas choram na rua.

De repente. Desavisado.
Ou avisado a uma menina impotente. 
Sonhos. Cenas. Avisos.
Exigência de preparação. 

As vizinhas, logo voltarão a ser falantes.
Encontrarão outro ponto.
 Fofocarão como antes.
Logo, nem lembrarão da velhinha.
Mas para a menina, ficará na memória 
O vem e o vai
da cadeira de balando onde sentava a velhinha. 


Descanse em paz, Dona Safira.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ômega

E existia um lugar,
Lugar habitado por uma menina.
E nessa menina, uma grande tristeza.

E havia luta.
Interna.
Severa.
E havia dor.

E uma lágrima:
Seca.
Salgada.
Oprimida.

E existia um remédio.
Lá, no silêncio do prédio,
Janelas dão asas à vida.

E existe um lugar.
Não mais habitado por uma menina.
E nessa menina não há mais tristeza.
E nessa menina não há mais a vida.


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Canção para a menina maltratada - Celso Gutfreind


Não, não será com métrica
nem com rima.Uma coisa sem nome violentou uma menina.Ação barata sem a pratado pensamento o ouro do sentimentoo dia da empatia. Noite.Uma coisa. Não era o lobonem o ogro nem a bruxa,
era a fúria do real
sem o carinho do símbolo.
Stop, a poesia parou.
Ou foi a humanidade?
Stop nada, a menina sente e segue
com métrica, rima, graça, vida.
Onde está tua vitória, ignomínia?
Uma prosa continua
poética como era
saltitante o bastante
para não perder a poesia.
A coisa (homem?) é punida como um lobo
no conto de verdade. E imprime-se um nome
na ignomínia.
A menina liberta expressa
ri e chora, volta a ser
qualquer (única) menina.
Pronta para a métrica
pronta para a rima
pronta para a vida
(canto de cicatriz),
pronta para o amor a dois,
à espera, suave, escolhido.

domingo, 29 de setembro de 2013

Pulso

Noite escura.
Calma perdida.
Promessas quebradas.
Alegrias fingidas.

A vida sofrida. 
A alma ferida.
A alma reconstruída. 

Tudo escorre pelas mãos.
Frias e sombrias.
Ideias inatas.
Ideias fixas.

Sede e fome de outro alimento.
Da gota que mostra o ultimato.
Do frio mármore e terra quente.
Da dor que acaba com o tormento.
Do último suspiro. 

Ângulos

Meu corpo é feito de janelas.
Embaçadas pela neblina.
Iludindo meus passos.
Uma casca, uma farsa, um marco.
Oculto em meio à rotina.

Em frente à janela há um muro
Onde pintam a felicidade.
Como ilusionismo,
Desenham o amor, os sorrisos
Mascaram toda a verdade.

Quebrar janelas.
Conhecer a realidade.
Abrir caminhos.
Construir a dignidade.

domingo, 22 de setembro de 2013

Entre amores e paredes


Menina. Mulher.
Da tua mente nascem vidas
Que desabrocham e findam
Numa folha de papel. 

Mulher. Menina.
Cuja alma, fascina
Até as estrelas do céu.

Tu que lês nas entrelinhas
Os segredos da vida
De quem viveu mais de mil anos;
Viveu quinze ou dezesseis.

Moça de mente bagunçada
Que reflete uma existência 
de belezas escondidas.

Por trás de dores sentidas.
Entre amores e paredes; 
Teu coração brilha. 
Fiando com diamantes
Cada ponto do tecido
Que forma a trama da vida. 


Poema dedicado a Gleanne Rodrigues, que tem alegrado meus dias e me mostrado que a loucura nem sempre é algo ruim. Rsrsrs








Amor proibido

Eu me apaixonei pela morte, mas ela foi embora.
 Hoje eu vivo a sua procura. 

domingo, 15 de setembro de 2013

Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue - Clarice Lispector


Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.


Este poema me traduz..

sábado, 31 de agosto de 2013

Elas

E havia o mundo inteiro. Havia ela e ela. cada uma em seu lugar. Um muro de silêncio. olhares trocados através de frestas de portas e janelas. Tormento. 
Os corações aceleram. os olhares se desviam. Escondidas. Trancadas dentro de si. Uma amo no corpo errado. Ou até no corpo certo, porém vivendo em uma sociedade que rotula tudo como errado. O gosto amargo do preconceito. O tremor causado pelo medo. 
Anitta lutava contra os sentimentos. Reprimia todo seu carinho. Reprimia todo seu desejo... naquele quarto perfeitamente arrumado, Anitta segurava a dor de sua paixão. 
No prédio ao lado, apoiada no parapeito da janela, sonhava Thalia. A fumaça da xícara de café se dissipando. A música tocando no computador. Um pouco de paz para aquele ambiente conturbado. De repente a janela da frente se abre. Anitta. Thalia. Elas não dizem nada. Elas se comunicam pelo olhar.  "Eu te amo" sussurrado. Thalia confirma com um aceno de cabeça. Nada mais importa. Esta noite, enfim, elas irão se amar. 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Daltonismo existencial

Eu vejo o mundo em outro tom, mas eles não entendem isso. Me dizem que estou doente, me entopem de remédios. Isso tudo, só porque vejo a vida de forma diferente. 
Eu não vejo alegria em cada nascer do sol. A cada dia, crianças morrem de fome, meninas são estupradas. Pessoas são assassinadas. O mundo gira na velocidade do pânico. Como ficar contente com isso?
Eu não vejo alegria na criança que nasce. Ela nasce chorando, seu choro já nos mostra o quanto viver dói. Ela sai da proteção do útero materno para sofrer nas garras do mundo. 

Eu escuto o que os outros dizem. Eles tentam me enganar. Querem que eu veja a luz no escuro, mas a vela há muito se apagou. Também escuto o que não dizem, escuto a tristeza de cada olhar. As marcas do corpo da esposa de apanha do marido todos os dias. O efeito das palavras usadas indiscriminadamente. Os adolescentes que não tem confiança porque, quando crianças, foram maltratados, hostilizados. Alguns pensam "crianças não tem sentimentos". Eles não sabem o que dizem. 

Eu coloco minha máscara, simulo um sorriso. A sociedade só quer isso. Ela não quer saber se estou bem, o importante é sorrir. Então eu me engano para não ter que me explicar. Finjo ter esperança. Luto com todas as forças que tenho, mas o mundo, Ah, o mundo nunca ira mudar. Cada coisa tem seu lugar, o mundo é um campo de obstáculos e temos que ultrapassar mesmo sem querer. Quem desiste da corrida é fraco. Mas, as vezes, a insistência é tolice. 

Eu finjo pintar o mundo de uma cor que eu nunca vi. Eu vejo, a cada segundo, minha vida por um tris. 
Eu caminho sozinha, sentindo, sofrendo, chorando. Eles vivem a vida deles sempre se enganando.

terça-feira, 23 de julho de 2013

(Des)acerto

O sinal tocou anunciando que é hora de entrar na sala de aula. A turma está toda agitada, afinal é o último dia de aula. Levou um bom tempo até que os professores conseguissem reunir os alunos dentro da sala. Começou então a espera que parece eterna, alguns roíam as unhas e outros quase choravam enquanto a professora chamava o nome de cada um por ordem alfabética na lista de chamada. A cada nome, uma comemoração por ser aprovado ou lamento por ter que repetir o ano. Enfim chegou minha vez.
- Lucas?
Ao ouvir meu nome, instantaneamente meu coração disparou. Eu fiquei tenso e quase não consegui responder.  – Aqui professora.
Ela me olhou com uma expressão de compaixão, percebi logo que não viria uma boa notícia.
- Não atingiu a pontuação necessária, mas ainda tem uma chance. A prova de recuperação será próxima semana. Farão a prova juntas a turma A e a turma B.
Suspirei tristemente, minha mãe não vai gostar de saber disso.
Os nomes seguintes passaram indistintos e depois fui para casa.

Já em casa, minha mãe brigou um pouco comigo, mas foi menos do que eu esperava. Ela disse que devo passar a semana estudando, nada de sair com os amigos até passar essa prova. E assim passei final de semana e a semana toda, na noite da quinta-feira eu mal consegui dormir.

A  sexta-feira amanheceu chuvosa, o dia parecia triste, o que me causou um mau presságio.
Tomei banho, me arrumei e tomei o café da manhã.
- Boa prova filho. Desse-me minha mãe quando me viu passa em frente ao quarto dela.
Cheguei à escola e vi vários alunos esperando para fazer a prova de recuperação. É ótimo ver que não sou o único fracassado. Uma pessoa em especial me chamou atenção. Natália, a garota mais nerd da turma estava lá. Como pode ela está de recuperação? Há dois anos eu nutro uma paixão secreta por ela, mas não tive coragem de me declarar. O que uma nerd pode querer com um garoto burro como eu?
Sentei no meu lugar de costume, no fundo da sala, mas quando a professora chegou, ela me mandou sentar na frente. Justo ao lado da Natália.
Fizemos a prova e, quando todos terminaram, a professora avisou que o resultado sairia dali a duas semanas. Ela tinha provas de várias turmas para corrigir. Que ótimo, duas semanas de tensão!

Eu fui para o pátio lanchar para depois ir embora. Para minha surpresa uma voz me chamou.
-Lucas! Como você acha que se saiu na prova?
Virei na direção dessa voz sem acreditar, era Natália que falava comigo. Respondi gaguejando.
-Aacho que fui mal.
-Que pena. Ela disse.
Passamos um tempo conversando e eu não resisti. Confessei o meu amor por ela. Quase choro quando ela me disse que também me amava. Eram lágrimas de felicidade, mas tive que contê-las. Meu pai me ensinou que homens não choram.
Aproximei-me dela bem devagar, meus lábios estavam quase tocando os dela. Eu estava com medo, meu coração parecia que ia sair do meu peito. Ela sussurrou:
-Te amo.
-Eu também te amo, respondi. E então, beijei-a.
Nosso beijo foi delicado. O cheiro dela invadia minhas narinas, era suave. Natália era delicadeza em pessoa. Meus dedos acariciavam seus lindos cabelos ruivos.
No mesmo dia eu fiz o pedido de namoro e ela aceitou. Ficamos juntos a tarde inteira. Conversamos, tomamos sorvete. Descobri que ela gosta de ler, eu nunca curti muito, mas ouvi-la falando sobre os seus livros favoritos foi uma das melhores sensações que eu já tive. Seus olhos brilhavam. Ela estava linda. Despedimos-nos no fim da tarde com a promessa de voltarmos a nos ver na manhã seguinte.
Contei a novidade a minha mãe que me parabenizou e disse que queria conhecê-la. Mas não deixei de levar bronca por achar que fui mau na prova. Dormi aquela noite com a lembrança do beijo de Natália. Do meu primeiro beijo.
Encontrei minha namorada no dia seguinte, e no próximo... Descobríamos cada vez mais coisas que gostávamos um no outro. As duas semanas de espera do resultado acabaram sendo semanas mágicas.
No dia marcado, fui à escola receber minha prova. Assim que vi meu amor, dei-lhe um beijo e fomos de mãos dadas para a sala de aula. A professora entregou as provas, mas não tive coragem de olhar a minha. Natália recebeu a dela e se dirigiu a minha direção.
- Passei amor. Disse-me com um sorriso nos lábios.
- Ainda não tive coragem de olhar a minha.
- Deixa de ser bobo, olha logo.
- Nota quatro. Parece brincadeira, mas vou ter que repetir o terceiro ano.
Saímos da sala um pouco triste. Minha mãe quase ma mata, mas não havia mais nada para fazer. Passei o restante das férias curtindo meu amor.

Faltavam dois dias para começarem as aulas. Pela manhã, Natália me disse que precisava conversar comigo. Notei certa urgência e tristeza. Encontramos-nos no parque. As palavras dela partiram meu coração.
-Vou ter que ir embora. Minha família vai se mudar e farei faculdade em outro estado.
Fiquei sem reação. As lágrimas rolaram e eu não pude evitar. Ela me beijou. Seus olhos também derramavam sua tristeza. Nosso beijo foi regado pelas lágrimas dos dois. Foi salgado. Foi doloroso. Foi intenso. Ficamos juntos o resto do dia.
Dez minutos depois de chegar em casa, eu ainda não havia conseguido parar de chorar. Antes de vir embora tentei convencê-la a encarar um namoro a distância, mas nem eu tinha certeza se daria certo. Ela me disse que nosso amor é de outras vidas e que, um dia, ficaremos juntos. Não sei se acredito nessa história.
Adormeci e tive um sonho. Natália me beijava no pátio da escola, onde demos nosso primeiro beijo, mas diferente do primeiro, este não era um beijo delicado. Era forte, urgente. Acordei ofegante. Chorei ao imaginar que poderia nunca mais tê-la comigo.
As aulas vão começar, mas eu não reclamo mais por ter de repetir o último ano do ensino médio. Se não fosse minha falha, minha nota ruim, eu não teria vivido o mês mais intenso da minha vida. O mês mais feliz que tive até hoje.  
São oito da manhã e me ponho a recordar o que aconteceu desde o dia da prova de recuperação. O vôo dela estava previsto para as sete da manhã. Eu não fui ao aeroporto, pois não suportaria vê-la partir. Natália já deve ter ido embora e talvez eu não volte a vê-la.
Com isso, ela apenas confirmou o que eu já sabia: Pássaros não nasceram para viver em gaiolas. 

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Edifício em construção


Hoje visitei um edifício em construção. Passei por cada andar imaginando quantas famílias aquele prédio ira abrigar. Fui até a cobertura e me pus a pensar:
De cima da cobertura de um edifício em construção, a vida parece pequena em sua vasta imensidão. Areia, tijolo, cimento.  Batem, furam, empilham. Bebem, fumam, gritam. Edificação.
De cima da cobertura de um edifício em construção, o vento toca a pele, o céu parece próximo. A paz está presente. Apreciação. 
Tantas casas, tantas ruas. Tantas pessoas e animais. Cada pessoa um pensamento. Pensamento gera ação. Ação da sociedade. Sociedade em construção.
Política, Saúde, governo, educação.  Desvio, roubalheira, “pão e circo”, mensalão.
De cima da cobertura de um edifício em construção, eu vejo um viaduto, terrenos ocultos, lixo em decomposição.
Debaixo do viaduto, vive uma criança. Inocente ela dança, usa imaginação.
Debaixo do viaduto, mora a fome e a miséria.  A histeria da guerreira que implora um pedaço de pão.
De cima da cobertura, a riqueza julga a pobreza. Berço de violência e tristeza. Da paz a redução.
Debaixo do viaduto, o pobre sabe o que diz. Foi o voto do cidadão que escolheu a representação que hoje brinda a corrupção, no nosso infeliz país. 

domingo, 21 de julho de 2013


"Querida amiga,
Faz algum tempo que não nos falamos, mas você sempre foi minha confidente. Como tenho andado muito triste e sozinha resolvi escrever. As férias chegaram e essa época é a pior. Lembra do Marcelo? Você estava comigo quando o conheci. Eu tinha doze anos e ele se tornou um bom amigo. Fora você, ele era a única outra pessoa que ainda ficava perto de mim. Acabamos nos apaixonando e namoramos algum tempo. Mas hoje ele foi embora. Acabamos de brigar, mais uma vez. Ele não suporta mais conviver com uma garota bipolar. Dias depressivos. Lágrimas incontáveis, automutilação. Ele disse que não suporta ver o que faço comigo. Que ele sente dor ao ver cada cicatriz. Mas ele não entende.
Diz que me ama, mas faz chantagem porque não quero ir para cama com ele. Ele não respeita meus traumas, não respeita meu corpo. Como pode me amar?  Sempre nos encontrávamos na casa dele e, com isso, ele não sabe o que se passa na minha casa. Não sabe tudo que tenho que suportar. “Depressão é frescura”, mas ele não convive com o que eu sinto.
Dias maníacos.  Agitação, angústia. Descontrole. O outro lado da moeda é tão ruim quanto o primeiro.
Acho que ele tem razão. Eu também não gosto de viver com uma garota bipolar. Mas não tenho alternativa, pois sou essa garota.
Vou parar de escrever agora. É hora de tomar meus remédios, vã tentativa de me controlar, mas depois voltaremos a nos comunicar.

Com carinho, Fernanda."

sábado, 13 de julho de 2013

Ignorados

Ruas escuras,
Caminhos sombrios.
Homens nojentos, 
Doentia ambição.

Sujeira. Fumaça.
Violência. Silêncio.
Ópio. Delírio. 
Lamento. Solidão. 

Criança inocente,
Caminha sozinha.
Sonha contente.
Usa a imaginação. 

Sorriso. Brinquedo. 
Boneca. Casinha. 
Livro. Escola. 
Futuro. Realização. 

Estradas cruzadas.
Inocente confia.
Imprudência. segredo. 
O medo encobria. 

Momento. Suor.
Ofegante explosão.
Lágrimas. tormento.
Dor. Sofrimento.
Suicídio. Prisão?!


sexta-feira, 12 de julho de 2013

De: Helena Para: Antônio


Oi amor,
O dia amanheceu chuvoso, o frio me fez desejar ter você para me aquecer. Nunca imaginei que poderia sentir tanto a presença de alguém ausente, mas você está em todos os lugares.  Seu cheiro está no travesseiro, sua escova ainda está junto a minha no banheiro.  Ainda preparo seu café todos os dias, mesmo sabendo que você não virá tomar. Faz oitos meses, mas ainda não acredito no que aconteceu.
Nosso bebê chuta muito, é uma menina. O nascimento está previsto ainda para essa semana. Anseio vê-la para poder procurar nela cada pedacinho seu. Pena que você se foi antes mesmo de saber que ela estava a caminho.  Ela vai se chamar Júlia. Você sempre me disse que, se tivesse uma filha, seria esse o nome dela.
Todos os dias a lembrança volta a minha mente, eu tinha acabado de receber o resultado do teste de gravidez. Estava louca para te contar. Ligaram-me dizendo que você estava no hospital. O acidente foi grave, um carro bateu na sua moto. Maldita moto! Mais um pouco e você a trocaria por um carro, então, talvez isso não tivesse acontecido. Você ficou em coma, por três meses, nunca retornou...”

Nesse momento, as lágrimas rolam soltas me impedindo de terminar a carta. Assim mesmo, inacabada, guardo junto às outras. Uma pilha de cartas em uma caixa, cartas que Antônio nunca irá ler. 

Um ano


Há exatamente um ano nascia meu blog. Primeiro chamei-o palavras ao vento. Passou para a voz da emoção, Warrior for life e, finalmente, Idiossincrasia. Espero parar por aqui. Era apenas uma aventura, um passatempo. Hoje é quase um filho. Escrevo por amor e amo meu blog que é a reunião dos meus escritos. Espero que está data se repita muitos anos mais. 

Parabéns Idiossincrasia!!!!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Além do tempo

Um dia, em uma tertúlia
Alguém me tirou pra dançar.
O que eu não sabia
Era que naquele dia
Algo iria mudar.

Logo um clima rolou
E, no coração,
Uma semente plantou.

Ele pediu-me em namoro.
Eu, criança fugia.
Até que numa tarde na praça,
Ele me agarrou
E com um beijo selou
O amor que ali nascia.

Mas como a vida é cruel
Apenas três anos durou.
Cada um, seu rumo tomou
Construindo uma nova vida.

Agora, depois de um tempo
A vida se pôs a brincar.
Para alegria ou tormento
Trinta anos não puderam separar.

Na era da internet,
Vivo um amor virtual.
Que começou na infância
Com uma inocente criança,
Entre os passos da dança
Que era só um começo,
Mesmo depois do final.

Ópio ou ócio



Poesia é assim:

Um “Q” de estranheza

Travestido de beleza

Iludindo as rimas.



Perfídia que me fascina

Paixão que me domina

Entre o ópio e o ócio.



Paliando a dor

Faz passar por amor

As lágrimas de quem sofria.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Broken

                                        



Eu não aguentava mais as manias da minha mulher. Depois de dez anos de casamento, tudo parecia frio. Eu não tinha gosto mais nem de vir para casa no fim do dia. Essa noite eu demorei, fiquei perdendo tempo na rua. Cheguei em casa tarde, ela nem se quer reclamou. Eu disse tolices, coisas impensadas. Eu fui cruel. Tivemos uma briga horrível, a maior que tivemos desde o início do casamento. Ela me disse que eu não a amo mais. Que se duvidar, já arrumei outra, mas que não quer me perder. Que está disposta e lutar pelo meu amor. No quarto ao lado o bebê chora, porque essa mulher não vai cuidar dela?! Luíza não tem culpa de nada, ela foi gerada em um dia que eu estava bêbado e veio ao mundo faz apenas um mês. Mas eu não posso me obrigar a viver neste inferno por causa de um bebê que eu nunca quis ter. 

Pego minha mala em cima do guarda-roupas, jogo dentro dela as primeiras roupas que consigo encontrar. Abro o cofre para pegar algum dinheiro. Vejo um envelope que não me recordo ter guardado. Abro-o e o que encontro me desarma totalmente. Fotos de uma época que me ponho a recordar. A primeira foto. Eu e Isabela em uma festinha da escola tínhamos sete anos, naquela época nem sonhávamos em nos casar. A segunda. Isabela, com treze anos, na escola. Foto que tirei escondido, foi nessa época que começamos a paquerar. A foto seguinte me arrancou algumas lágrimas, nossa formatura. Tínhamos dezessete anos e foi quando nos beijamos pela primeira vez. Eu era um garoto desajeitado e ela parecia uma princesa no seu lindo vestido azul. Nas próximas fotos, me deparei com nossos passeios. Juntos na praia, na serra. Fotos do casamento, da lua de mel. Fotos dos aniversários, da comemoração dos anos de casados. Fotos do nascimento da Luíza Toda minha vida passando na minha frente. Diante daquilo tudo, o que são algumas brigas...? 

Desço as escadas, Isabela continua no mesmo lugar em que a deixei quando a briga acabou. Sentada no chão da sala, chorando como nunca vi. Aproximei-me:

-Isabela, me perdoa. Eu te amo. 

Não precisei dizer mais nada, ela sabia que eu estava sendo sincero. Beijamos-nos como não fazíamos há muito tempo. Ter Isabela comigo, me fez sentir como se tivesse de novo dezessete anos. Acariciei seu rosto, cheirei seu cabelo, ela ainda usa o mesmo xampu. Percebi o quando desconheço minha mulher. O quanto deixei que os anos apagassem o meu amor. Ela ainda tem o mesmo sorriso lindo, o mesmo olhar carinhoso. As mesmas palavras doces, agora, carregadas de mais maturidade. Nosso clima foi quebrado pelo choro de Luíza. Juntos, subimos para o quarto da nossa menininha. Pela primeira vez ajudei a cuidar dela, quando a coloquei nos braços percebi que tinha nascido para ser pai. Após trocar a fralda de Luíza, entreguei-a para Isabela amamentar. Foi uma das cenas mais lindas que já vi. Luíza acabou por dormir. Eu e Isabela fomos para nosso quarto.

Agora, a sós, tornei a beijá-la. Os lábios ganhando uma urgência intensa. Ela correspondendo a todos os meus toques. Digo apenas que nos amamos como se fosse à primeira vez. Passamos um bom tempo, apenas abraçados. Eu poderia ficar assim pra sempre. Apenas admirando minha mulher. Mas Isabela demonstrava sinais de que queria recomeçar. Eu ia beijá-la quando fomos interrompidos, Luíza voltou a chorar.

-Deixa amor, eu cuido dela.



Sai do quarto e fui atender as necessidades do nosso bebê. Mas antes de sair pude ver um olhar, minha mulher esperava meu regresso para voltarmos a nos amar.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Blog de cara nova

Para acompanhar uma nova fase da minha vida e com a proximidade de completar o primeiro aninho do blog, ele - Idiossincrasia está de nome novo e cara nova. 

P.S. O blog se chamava Warrior for life. 

Em obras.

Desculpe-me a bagunça. Blog em manutenção. 

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sob a chuva...



O relógio marca dezoito horas. O mundo lá fora já escureceu. O vazio do meu apartamento me sufoca. A cama desarrumada me chama para mais uma noite de insônia. A fumaça do cigarro recém apagado ainda paira no ar, transformando a atmosfera em uma nuvem cinza. O frio do inverno me faz tremer. Preparo uma bebida quente, na esperança de me aquecer, mas meu corpo deseja outro calor. A janela embaçada faz com que tudo pareça indistinto. Vejo vultos de pessoas apressadas, tentando fugir da chuva que começa a cair. Parecem formigas, vistas daqui de cima. Enquanto elas fogem, eu saio de encontro à chuva. Demora o que poderia ser uma eternidade, enquanto espero o elevador chegar. Dentro daquele saguão vazio, pesa ainda mais a solidão. Enfim o elevador chega. Entro ao mesmo tempo em que Minha vizinha sai. Ela parece triste. Samanta é apenas mais uma que foge da chuva, mas ela é diferente. Eu a amo.

Ando sem rumo, apenas sentindo aqueles pingos na minha face. Tento não pensar no amor que nunca irá acontecer. Inúmeros conflitos povoam minha mente. Como eu fui sonhar com um amor tão impossível? A chuva aumenta, ajeito meu casaco e abro o guarda-chuva. Caminho por um tempo, até perceber onde estou. Parada em uma ponte, acima de um rio. A água lá em baixo me parece familiar. É tão convidativa. Não consigo mais evitar e Samanta me volta à cabeça enquanto me preparo para pular. 


Os primeiros pingos começam a cair, olho o relógio de pulso, são dezoito horas. Dirijo-me para casa, está escuro e eu estou cansada após um longo dia de trabalho. Esqueci o guarda-chuva, então, preciso correr. Chego ao prédio onde moro, espero, entro no elevador. Ele chega ao andar em que moro, quando vou saindo, Marcela entra. Ela não me olha, fico triste, pois eu a amo. Porque será que tenho a sensação de que não voltarei a vê-la? Ando até meu apartamento, aquela sensação não me sai da cabeça. Com uma urgência desconhecida, corro para tentar alcançá-la. O elevador demora e eu saio correndo pelas escadas sem pensar no número de lances que terei que descer. 

Corro para a chuva que já está forte. Estou ensopada, o casaco molhado pesa, mas corro como se minha vida dependesse disso. Logo a frente está a ponte que atravessa o rio que passa ao lado do apartamento. Desespero-me ao perceber que Samanta está lá, pronta para pular. Grito seu nome com todo meu fôlego, ela me olha sem acreditar. 


Da janela do meu quarto, olho para chuva. Está forte e quase não vejo a rua. Um movimento estranho me chama atenção, uma mulher está pendurada na ponte, enquanto outra grita seu nome. Tento entender o que acontece ao que parece, a primeira quer pular. Saio apressado, preciso saber se posso ajudar. Mais de perto, tudo é mais nítido. Duas moças belas, com semblante sofredor. Uma delas grita:

-Marcela, eu te amo.

A outra parece surpresa, suas lágrimas se misturam a chuva. Quase não se percebe que ela está a chorar. As duas se aproximam, e se olham com grande ternura. Elas tocam o rosto uma da outra mutuamente. Percebo que minha presença ali é desnecessária. Escuto apenas quando elas falam, uma o nome da outra:

-Samanta.

-Marcela.

E vou embora, permitindo alguma privacidade para aquele amor.



            

domingo, 7 de julho de 2013

Ela continua!

         


E quantas vezes você se pega pensando no que a vida fez com você? E quantas vezes se pega pensando no que você fez da vida? Essas são questões que, há seu tempo, cada um vai responder. Eu ainda estou longe, ainda terei uma longa caminha pela vida. Não tão longa como normalmente seria, mesmo assim, longa o suficiente para chegar a responder essas perguntas. 


Um dia você descobre o quanto é imaturo, o quanto precisará evoluir emocional e espiritualmente para conseguir sobreviver e essa existência. Quanto desafio ainda enfrentará durante a vida? Quantas provas serão enviadas para testar sua força e, principalmente, sua fé. Não somente sua fé em Deus, em um ser maior. Mais também, sua fé em você, nos amigos, na família, na vida.


O tempo passa, as coisas mudam e um dia você não é mais criança. Um dia você percebe que está rodeada de problemas, que a inocência da infância não a deixava compreender. Você luta para sobreviver, você cai achando que nunca mais conseguirá levantar. Mas você levanta, segue em frente até a próxima queda. O sol nasce todos os dias trazendo consigo uma oportunidade para tentar novamente. A cada dia uma batalha. Às vezes você pode achar que o mundo está acabando. Que não suportará tanta dor, porém você segue em frente. Aprendendo a lição mais certa da vida. Independente do seu estado, a vida sempre continua...

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Cecília

Cecília era uma garota conhecida por todos, não pela sua beleza, em que não havia nada incomum, tinha olhos castanhos e uma face redonda emoldurada por curtos cabelos negros. Cecília era conhecida pela sua alegria. Em todo lugar que entrava ela espalhava uma luz que acalmava a todos. Tinha o dom de fazer as piadas certas na hora certa, e com isso garantia risadas aonde quer que andasse. Era uma menina muito independente, saiu de casa aos 18 anos para morar em outra cidade, trabalhava em um museu e no tempo livre estudava arte. Às vezes, Cecília agia por impulso, o que fazia que nem sempre as coisas dessem certo, mas isso não a fazia desistir, ela tinha uma imensa alegria de viver e isso a encorajava até quando tudo estava dando errado.

Aos 21 anos Cecília vivia muito bem, sozinha em seu belo apartamento. Meu apartamento ficava no mesmo andar que o dela. Sua sensibilidade e sensualidade acabaram por me conquistar, mas ela só me queria como amigo. Cecília evitava qualquer possibilidade de viver uma grande paixão. Eu me contentava em ter a amizade dela, todas as tardes de domingo nos encontrávamos em meu apartamento para debater sobre arte, música e ensinar um ao outro o que aprendíamos durante a semana. Minha mãe sempre preparava um jantar, ela me dizia que Cecília era uma menina de diamante.  Em um desses domingos eu não resisti, minha mãe havia saído para por a mesa e meu amor foi mais forte que a razão, estando eu a sós com Cecília, a beijei. De início, Cecília correspondeu ao meu beijo, lentamente e carinhosamente, naquele momento, eu percebi que ela me também me amava. Porém de súbito tudo mudou, ela se afastou de mim com rispidez e a vi cair aos prantos. Foi então que Cecília me contou que toda sua felicidade não passava de um mero disfarce. Que saiu de casa porque seu padrasto a violentava e sua mãe nada podia fazer, já que apanhava dele. Que construiu uma vida leve, para mascarar o peso da dor que carregava no peito. Ouvir sua confissão dilacerou meu coração, eu compreendi que precisava protegê-la, eu a amei mais ainda. Falei para ela que não precisava me temer, que eu a protegeria e que ninguém, nunca mais a faria mal. Ela me disse que precisava ir e saiu sem ao menos esperar pelo jantar.

Dois dias depois, Cecília veio me ver. Sem dizer uma palavra, ela me tocou de leve os lábios. Convidei-a para entrar e ela aceitou. Sentamos no sofá e eu ia dizê-la que a amo, mas suavemente ela encostou os dedos em meus lábios para me silenciar. Aconchegou-se em meus braços e assim ficamos pelo que me pareceram horas, as horas mais felizes de minha vida. Ali, nos meus braços, a garota forte e independente, parecia uma criança carente. E eu estava disposto a cuidar dela para sempre. Adormecemos-nos no sofá. Quando acordei já era noite, procurei Cecília e ela não estava em nenhum lugar. Fui ao seu apartamento, toquei a campainha diversas vezes e ela não atendeu. Voltei para casa e dormi com a lembrança do calor de Cecília nos meus braços.

No dia seguinte fui visitá-la, mas me surpreendi ao encontrar seu apartamento vazio, estava à venda. Como o vento, que sopra e refresca para logo ir embora, Cecília foi um sopro de alegria em minha vida. Ela me deu os momentos mais felizes que já tive, porém o vento também cessa e com meu sopro não foi diferente. Por muito tempo a procurei, entretanto nunca mais voltei a vê-la.

Todos os dias eu lutava para manter a lembrança de Cecília em minha memória. Mas sempre que passava por seu apartamento vazio, eu me perguntava se Cecília não teria sido um sonho...

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Asfixia

        

O ano é 1939, tenho oito anos e não entendo muito bem. Mamãe me disse que de agora em diante precisaremos ficar escondidos, que não poderei fazer barulho e nem brincar na rua. Ela falou sobre um tal de Hitler, ou Füher, não sei direito. Só entendi que ele é um homem mau. Mamãe me disse que ele está perseguindo todos nós, judeus.


Estou triste porque mamãe e papai me tiraram de casa e me obrigaram a deixar todos os meus brinquedos. Minhas lindas bonecas ficaram todas lá. Agora estamos morando em um porão da fábrica de um amigo, um amigo que não é judeu. Pelo que entendi, se o homem mal ou os homens que trabalham pra ele descobrirem que estamos aqui, vão matar a gente. Mas porque eles fazem isso? O que nós fizemos de errado? Eu tenho medo, acho que morrer dói. Quando vovô morreu doeu muito, eu ficava chorando. Não quero morrer.

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Aqui está muito chato, não tenho o que fazer durante o dia, a comida que me dão é muito ruim e mamãe ficou doente. Pelo que ouvi, ela não poderá ir ao médico porque o homem mau pode encontrá-la. Nós não podemos acender a luz, nem abrir a torneira, nada. Papai me disse que se fizermos isso “eles” vão nos descobrir.


Mamãe e papai têm um rádio à pilha e todas as noites ligam baixinho para saber como está o mundo lá fora. Eles não me deixam ouvir, mas ontem à noite eu estava escondida atrás da porta e ouvi quando disseram “estão bombardeando as cidades” e algo sobre “muita destruição”. Acho que as coisas estão muito ruins.

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O tempo está passando muito devagar, mas mamãe me disse que hoje é meu aniversário, o amigo dela trouxe pra mim roupas limpas e uma boneca. Não me importei muito com as roupas, mas adorei a boneca. 


Estou feliz porque mamãe não estava doente. Ainda bem. Meus pais disseram que ela passou mal porque tem um bebê na barriga dela. Eu vou ter um irmãozinho, mas papai e mamãe não ficaram felizes como eu.

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Estou com medo, está muito escuro, só tenho um lampião fraquinho acesso e lá fora está muito barulhento. Mamãe me disse para não ter medo, mas parece que estão destruindo tudo. Eu ouvi papai falando igual o homem do rádio. Algo sobre bombas...
Quero sair daqui, não aguento mais viver presa. Meu irmãozinho também deve estar louco para sair da barriga da mamãe. A barriga dela está enorme. Estou ansiosa para conhecê-lo.

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Ontem foi horrível, vários homens invadiram nosso porão e tiraram a gente de lá com muita violência. Estou com muito medo, eles levaram papai para algum lugar e me trancaram com a mamãe e muitas outras mulheres e crianças. Estão todas muito tristes e sujas. Eles também deixaram todas nós carecas. Este lugar aqui é pior que o nosso porão.


Colocaram a gente em uma fila e nos fizeram andar até uma sala. Estamos todas amontoadas aqui. O lugar é todo fechado. As crianças todas choram de medo, eu também começo a chorar. Olho para mamãe na esperança de que ela me acalme, neste momento um barulho estranho começa e a sala fica cheia de um gás. Tudo vai ficando longe e a última coisa que consigo perceber são as lágrimas nos olhos da minha mãe. Depois tudo escureceu...