sexta-feira, 10 de maio de 2013

Arco-íris sem cor

Seus cortes estão ficando cada vez mais profundos, parece que para combinar com a alma dela que a cada dia está mais machucada. O tempo escorre como as gotas de sangue passando por entre seus dedos, levando a felicidade, que parece ter medo daquela pele marcada. E a dor não vai embora, não se despede nenhuma vez. E as lágrimas que ela não chora, se transformam em vermelho contrastando com sua palidez. Suas distrações já não servem mais, nada afasta e tristeza e os pensamentos, nem em seus sonhos ela está em paz.  Cada corte prolonga sua vida, ameniza o desejo que encontrar a saída mais fácil. O desejo de ter coragem para concretizar o ato que não sai dos seus pensamentos. O desejo pela morte como uma fim para este tormento. Ela vê tudo através de uma moldura de dor. Para clarisse a vida é um arco-iris sem cor.


domingo, 5 de maio de 2013

O que não aconteceu.

E um dia ela encontraria uma foto antiga dos dois e eles se lembrariam de como se conheceram. Ele não lembraria da roupa que ela usava, mas lembraria de como o sorriso dela o encantou. Ela diria como em um primeiro momento detestou o jeito do menino moleque que sorriu pra ela. E eles lembrariam de como ele passou aquele ano tentando conquistá-la e ela diria que estava completamente apaixonada pelo moleque detestável, mas que o seu orgulho não a deixava admitir isso. E eles lembrariam de como, na festa de fim de ano da escola, deram seu primeiro beijo. Ele contaria como foi receber o sim dela. E ela diria como foi bom tê-lo conhecido. E os dois ficariam emocionados lembrando do dia do casamento e do nascimento da primeira filha dois anos depois. E recordariam suas primeiras palavras e seus primeiros passos. E como foi vê-la partir para universidade. E tê-la com eles em todas as férias de verão. E daquele inverno, quando ela veio para o natal com seu novo namorado e de como o ciúme bobo de pais super protetores os fez ficarem com um pé atrás. Ele lembraria da emoção de entregar a filha ao noivo em frente ao altar. E da emoção de ter o netinho nos braços pela primeira vez, e de vê-lo crescer, chegar correndo gritando "vovô e vovó". E se beijariam sabendo que foram felizes e que valeu a pena estarem juntos até hoje.

Mas nada disso aconteceu. Ela cometeu suicídio, aos dezoito anos. A depressão levou uma vida que mal começara a existir.

Clarisse.



E mais uma vez ela está deitada tentando entender o que aconteceu (ou não aconteceu). Não se lembra quando os pensamentos se tornaram maiores. Ela só sabe que vive em uma total confusão. Ela é uma das melhores alunas da classe, suas notas são sempre altas. É estudiosa, comportada, um exemplo de menina. Ela é tímida e por isso não tem muitos amigos, na verdade não tem nenhum. Tem cabelos longos e castanhos, castanhos também são seus olhos. Olhos que não negam o que seu sorriso quer disfarçar. Ela não é magra e nem alta, ou seja, não é nenhum exemplo de beleza. Mas e daí? Ela nunca desejou sê-lo, esta menina nunca apreciou os padrões da sociedade. Sua pele é da cor do encontro de todas as cores, branca como a mais pura luz. Mas a pele dela chora. Agora mesmo está chorando mais uma vez. Gilete na mão, um movimento e aquela pele clara chora as dores da alma. Lágrimas que escorrem deixando um rastro vermelho. Rastro que não encobre a vontade de acabar que não vai embora. Não apaga a lembrança dos remédios na gaveta, garantia de socorro, saída de última hora.

-Menina, não faça isso. Não vale a pena.

Mas ela não se importa, está cansada de sofrer. Qualquer alívio é bem vindo. É uma troca justa em meio às injustiças da vida, uma dor por outra dor. Aquela pele pálida, aquele sorriso falso. Ela se obriga a viver em meio a toda aquela dor. Os antidepressivos fazem com que ela se sinta vazia. O corpo está vivo, porém a alma ha muito já morreu.

Ela está enlouquecendo. Contou-me isso em meio às lágrimas de um momento de lucidez. Sua mente está repleta de fantasmas que a assombram. Eles a perseguem até em seus sonhos.

Ela está trancada em seu quarto. Os livros, seus companheiros, abertos sobre a cama. A música tocando no último volume. Estranho, ela sempre amou o silêncio. Seu vestido cor de rosa está jogado no chão. O corpo caído de uma forma desajeitada, os cabelos em desalinho se fundem a escuridão. Sua pele inteiramente marcada.

-Menina, o que houve com você?

Ao lado dela as giletes caídas junto a embalagens de comprimidos vazias. Seu corpo, agora, jaz sem vida. Suas feridas já não sangram mais. A dor não mais existe. O pássaro saiu da gaiola. Clarisse voou.