domingo, 5 de maio de 2013

Clarisse.



E mais uma vez ela está deitada tentando entender o que aconteceu (ou não aconteceu). Não se lembra quando os pensamentos se tornaram maiores. Ela só sabe que vive em uma total confusão. Ela é uma das melhores alunas da classe, suas notas são sempre altas. É estudiosa, comportada, um exemplo de menina. Ela é tímida e por isso não tem muitos amigos, na verdade não tem nenhum. Tem cabelos longos e castanhos, castanhos também são seus olhos. Olhos que não negam o que seu sorriso quer disfarçar. Ela não é magra e nem alta, ou seja, não é nenhum exemplo de beleza. Mas e daí? Ela nunca desejou sê-lo, esta menina nunca apreciou os padrões da sociedade. Sua pele é da cor do encontro de todas as cores, branca como a mais pura luz. Mas a pele dela chora. Agora mesmo está chorando mais uma vez. Gilete na mão, um movimento e aquela pele clara chora as dores da alma. Lágrimas que escorrem deixando um rastro vermelho. Rastro que não encobre a vontade de acabar que não vai embora. Não apaga a lembrança dos remédios na gaveta, garantia de socorro, saída de última hora.

-Menina, não faça isso. Não vale a pena.

Mas ela não se importa, está cansada de sofrer. Qualquer alívio é bem vindo. É uma troca justa em meio às injustiças da vida, uma dor por outra dor. Aquela pele pálida, aquele sorriso falso. Ela se obriga a viver em meio a toda aquela dor. Os antidepressivos fazem com que ela se sinta vazia. O corpo está vivo, porém a alma ha muito já morreu.

Ela está enlouquecendo. Contou-me isso em meio às lágrimas de um momento de lucidez. Sua mente está repleta de fantasmas que a assombram. Eles a perseguem até em seus sonhos.

Ela está trancada em seu quarto. Os livros, seus companheiros, abertos sobre a cama. A música tocando no último volume. Estranho, ela sempre amou o silêncio. Seu vestido cor de rosa está jogado no chão. O corpo caído de uma forma desajeitada, os cabelos em desalinho se fundem a escuridão. Sua pele inteiramente marcada.

-Menina, o que houve com você?

Ao lado dela as giletes caídas junto a embalagens de comprimidos vazias. Seu corpo, agora, jaz sem vida. Suas feridas já não sangram mais. A dor não mais existe. O pássaro saiu da gaiola. Clarisse voou.

2 comentários:

  1. Clarisse foi ser o que ela realmente almejava em um mundo diferente desse, onde tudo é possível. Onde tudo é poesia.
    Texto maravilhoso e cheio de sentimento. Amei! :)

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    1. Sim, Clarisse agora é livre. Que bom que gostou. Um elogio vindo de você, que escreve tão bem, tem o peso do elogio de varias pessoas ao mesmo tempo. Obrigada! :)

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