O relógio marca dezoito horas. O mundo lá fora já escureceu. O vazio do meu apartamento me sufoca. A cama desarrumada me chama para mais uma noite de insônia. A fumaça do cigarro recém apagado ainda paira no ar, transformando a atmosfera em uma nuvem cinza. O frio do inverno me faz tremer. Preparo uma bebida quente, na esperança de me aquecer, mas meu corpo deseja outro calor. A janela embaçada faz com que tudo pareça indistinto. Vejo vultos de pessoas apressadas, tentando fugir da chuva que começa a cair. Parecem formigas, vistas daqui de cima. Enquanto elas fogem, eu saio de encontro à chuva. Demora o que poderia ser uma eternidade, enquanto espero o elevador chegar. Dentro daquele saguão vazio, pesa ainda mais a solidão. Enfim o elevador chega. Entro ao mesmo tempo em que Minha vizinha sai. Ela parece triste. Samanta é apenas mais uma que foge da chuva, mas ela é diferente. Eu a amo.
Ando sem rumo, apenas sentindo aqueles pingos na minha face. Tento não pensar no amor que nunca irá acontecer. Inúmeros conflitos povoam minha mente. Como eu fui sonhar com um amor tão impossível? A chuva aumenta, ajeito meu casaco e abro o guarda-chuva. Caminho por um tempo, até perceber onde estou. Parada em uma ponte, acima de um rio. A água lá em baixo me parece familiar. É tão convidativa. Não consigo mais evitar e Samanta me volta à cabeça enquanto me preparo para pular.
Os primeiros pingos começam a cair, olho o relógio de pulso, são dezoito horas. Dirijo-me para casa, está escuro e eu estou cansada após um longo dia de trabalho. Esqueci o guarda-chuva, então, preciso correr. Chego ao prédio onde moro, espero, entro no elevador. Ele chega ao andar em que moro, quando vou saindo, Marcela entra. Ela não me olha, fico triste, pois eu a amo. Porque será que tenho a sensação de que não voltarei a vê-la? Ando até meu apartamento, aquela sensação não me sai da cabeça. Com uma urgência desconhecida, corro para tentar alcançá-la. O elevador demora e eu saio correndo pelas escadas sem pensar no número de lances que terei que descer.
Corro para a chuva que já está forte. Estou ensopada, o casaco molhado pesa, mas corro como se minha vida dependesse disso. Logo a frente está a ponte que atravessa o rio que passa ao lado do apartamento. Desespero-me ao perceber que Samanta está lá, pronta para pular. Grito seu nome com todo meu fôlego, ela me olha sem acreditar.
Da janela do meu quarto, olho para chuva. Está forte e quase não vejo a rua. Um movimento estranho me chama atenção, uma mulher está pendurada na ponte, enquanto outra grita seu nome. Tento entender o que acontece ao que parece, a primeira quer pular. Saio apressado, preciso saber se posso ajudar. Mais de perto, tudo é mais nítido. Duas moças belas, com semblante sofredor. Uma delas grita:
-Marcela, eu te amo.
A outra parece surpresa, suas lágrimas se misturam a chuva. Quase não se percebe que ela está a chorar. As duas se aproximam, e se olham com grande ternura. Elas tocam o rosto uma da outra mutuamente. Percebo que minha presença ali é desnecessária. Escuto apenas quando elas falam, uma o nome da outra:
-Samanta.
-Marcela.
E vou embora, permitindo alguma privacidade para aquele amor.
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